Prólogo | Love Behind Betrayal

em quinta-feira, fevereiro 16 |
Dei mais uma volta no chão, coberto com apenas um cobertor meio ratado das dentadas dos pequenos mamíferos que, de vez em quando, se alimentavam deles, quando mais não tinham do que comer. Olhava as enormes fissuras no tecto, por onde sempre pingavam gotas de cada vez que chovia. Outrora, talvez a cor do tecto tivesse sido esverdeada, tal como as paredes que me encarceravam. Agora, não passavam de uma mancha vazia e negra, que acompanhava a fenda, parecendo uma enorme boca que se ria, trocista, de mim. Tinha-o feito durante sete anos.
Mas isso mudaria no dia seguinte.
Senti as mãos tremerem, do nervoso miudinho. Tudo o que o polícia que tinha tratado do meu caso durante estes anos todos me tinha dito ainda revolvia na minha cabeça. Os nomes ecoavam-me pela mente, formando cada um, uma onda de imagens, como se tivesse atirado uma pedra para um lago. Erik... Erza... Wendy.
A última era a única de quem eu não tinha imagens definidas, por isso só podia imaginar. Nunca, não naquele lugar fétido, onde homens trocavam tudo o que tinham por um cobertor ou uma almofada e ali estavam fechados pelos mais diversos crimes, eu poderia ter sonhado que ela existia. Ela era minha filha... E eu não soubera da existência dela durante sete anos.
Lembrava-me, claro como água, daquele dia.
Lembrava-me do cheiro a papel antigo que preenchia a sala de audiências onde eu havia sido julgado. Lembrava-me do cheiro a cabedal carcomido da cadeira onde eu fora algemado, sem direito a dizer uma única palavra em minha defesa. Só agora eu sabia que esse meu silêncio tinha sido comprado pelo meu próprio advogado. Ele próprio fizera de propósito para perder o caso, para o nome dele não ser envolvido num escândalo onde ele estava metido até à raiz dos cabelos.
Lembrava-me dos olhos da Erza, quando o juiz me condenou a sete anos de prisão, por posse e tráfico. Ela olhava para mim como se eu tivesse cometido a maior atrocidade do mundo, como se a tivesse ofendido no mais íntimo do seu ser. Eu tinha-lhe explicado, mas parecia que ela não tinha compreendido. Nós estávamos sem dinheiro, após quinze anos de abusos num orfanato, de onde eu a salvara. Nós estávamos sem dinheiro, pois tudo o que tínhamos amealhado havia sido usado para alugar aquele pequeno apartamento, que quase nada tinha além de um colchão. Nós estávamos sem dinheiro, sem emprego, sem formação no que quer que fosse... E eu não ia deixar que ela fizesse do corpo uma maneira de arranjar sustento.
Não tinha orgulho de ter feito o que fiz. Mas nunca me arrependi de tal. Fitando o tecto, fechei os meus punhos, lembrando-me como ela se levantara e saíra da sala de audiências sem dizer sequer uma única palavra. Ela dizia sempre que me amava, que estaria sempre comigo... E nem um telefonema, carta ou visita em sete longos anos. E agora, além de todo o sabor amargo que já tinha na boca pelas memórias que tinha dela, descobrira o doce que ela escondera.
Eu seria assim tão mau, para ela nem sequer me dizer que eu tinha uma filha? Será que ela a considerava assim um tão grande pecado que não queria que ela conhecesse o pai? Talvez para não se tornar no pobre exemplo de ser humano que ele se tornara…
Pois todos os esforços dela seriam em vão. Assim que saísse dali, eu ia procurá-la e não descansaria até que ela me deixasse ver a Wendy. Pelo menos ela saberia e, quem sabe talvez, se orgulharia de tudo o que o pai tinha feito para lhe tentar dar uma vida decente. Talvez ela me olhasse nos olhos. Talvez ela me dirigisse a palavra.
Talvez ela não me virasse as costas.

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